sexta-feira, 13 de maio de 2016

Viva o corpo!



Obra de arte de Rosa Esteves

Queridas e queridos,
Quando escrevo essas palavras o sol se põe no horizonte da janela do meu quarto. A chuva parou e uma mistura fina de amarelo claro e alaranjado pairam no ar. As nuvens brancas se esfarelam, e um fino fio de azul surge tímido lá do fundo. Sinto PAZ em meu coração.
Tive o prazer de ver um trabalho de uma vida inteira. Emoção. Alegria. Conhecimento. O site de Rosa Esteves é uma viagem ao corpo da alma. À alma do corpo. Ao corpo do corpo. Ao universo do imaginário do que é o corpo e onde habita a alma.
Minha viagem está só começando. Conheço minha querida e amada tia há 30 anos, mas sua obra é ainda um grande mistério para mim. O que fica mais forte em minha alma é a delicadeza do toque na pele, do doce na boca, do mergulho em nossos desejos, sonhos, e vivências mais íntimas que seu trabalho nos mostra.
A mulher é um universo profundo. Começo a mergulhar nela aos 30 anos, quando meus desejos se afloram. Meu corpo sempre foi fraco, intocável. Meus desejos sempre estiveram no mais profundo poço do inatingível. Pecado tocar. Errado querer. Feio. Todos apotam. Todos comentam. Todos olham. Eu nunca pude dizer há que vim. O que sou. O que desejo. O que espero. O que luto. O que preciso mostrar.
Sempre fui tolhida. Sempre fui quebrada. Sempre senti dor. Sempre me senti presa a um corpo infantilizado. A um meio corpo. A uma meia criança-menina-mulher. A algo indefinido.
A busca por uma paz interior é como o por do sol que agora é lilás da minha janela. A linha é muito tênue. O medo é maior do que o azul claro que agora toma conta do céu.
Hoje quebro. Mas não o corpo. O que ele realmente é. A massa una entre alma e carne. Entre desejo e pudor. Entre vida e morte. Entre explosão e dor. Entre prazer e abrigo. Entre eu e muitas pessoas que moram em minha alma.
O corpo de uma mulher é múltiplo. É preciso mostrar ao mundo cada pedacinho que pulsa em corpos diferentes. São bocas em cabeças tortas, pernas grossas e curtas, bumbum arrebitado e torto, coxas arredondadas e cheias de ruguinhas infantins, púbis ardendo de tesão, seios pequenos em um tronco pequeno demais.
Não há cintura, não há quadril definido. Não há pernas finas e compridas. Não há balanço dos quadris. Não há andar sensual. Não há mini saia que leva ao mistério escuro como o céu que agora está em minha janela.
Não há uma mulher padronizada, robotizada, perfeita! Não há o esperado. Há outra possibilidade de ser mulher inteira com todos os sentimentos e sentidos que pulsam do corpo de alguém que sempre foi quem é.
Amar e ser amada trouxe força a minha alma para conseguir se libertar do corpo da sociedade que sempre me toliu. Da mãe interna que sempre me proibiu de ser eu mesma. Da mãe externa que sempre teve medo de me ver despedaçada.
Falar, mostrar, e trabalhar o corpo como Rosa Esteves faz é algo fundamental em um mundo tão superficial. Tão triste. Tão oco. Tão frio. Tão igual. Tão egoísta. Tão pequeno.
O corpo é grande. É forte. É pulsante. É vivo! Viva o CORPO!

Leandra Migotto Certeza - escritora, jornalista e ativista social - Texto escrito em 08/04/07.