sexta-feira, 23 de abril de 2021

Bate-papo com leandra Caleidoscópica

Bate papo com Leandra Caleidoscópica no Museu Vozes Diversas - Dia 23 às 20hs!

 


#paratodesverem Um quadrado é dividido por uma grossa seta amarela que vai do canto superior direito para o inferior esquerdo. À esquerda, sob fundo preto, está escrito em letras rosa e branco: Leandra Caleidoscópica; Ocupação de 23 à 29/04; Bate-papo dia 23/04 às 20h; Youtube e facebook /vozesdiversas e o símbolo de acessível em Libras. À direita, Primeiro Levante Feminista e foto colorida de Leandra sentada na cadeira de rodas com um microfone na mão. Ela é uma mulher branca de cabelos curtos com leves ondas. A testa é alta e quadrada, sobrancelhas finas, olhos pequenos com leve maquiagem. Tem o nariz fino e o microfone encobre parcialmente o sorriso. Usa uma estola de pele cinza clara, blusa preta de manga comprida com pulseiras brilhantes em ambos pulsos. Está de calça preta. Foto: Carol Vidal.


Continuando com o Primeiro Levante Feminista do Museu Vozes Diversas, o nosso bate papo será com Leandra Caleidoscópica, poeta, escritora, editora, jornalista a ativista pelos direitos das pessoas com deficiência. Realiza Oficinas de Escrita e Edição de Biografias de Mulheres com Deficiência.

Essa conversa será imperdível. Venha! Dia 23/04 às 20h

Youtube e Facebook: /vozesdiversas

https://www.youtube.com/c/VozesDiversas

Intérprete de Libras: Sylvia Sato


Equipe: Cintia Alves, Cleiton Sousa, Jeff Celophane, Juliana Keiko, Pedro Papotti e Tamara Cruz.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Invisíveis, silenciadas e trancadas!

Existem muitas mulheres com deficiência em situação de pobreza, que não são ouvidas, vivem amarradas e não conseguem denunciar seus agressores. Principalmente as mulheres negras, indígenas, lésbicas e trans por serem triplamente discriminadas.

Texto de Leandra Migotto Certeza

Publicação original: https://azmina.com.br/colunas/invisiveis-silenciadas-e-trancadas/

Para começar a ler este texto, assista ao importante documentário que amplia a voz de apenas algumas de milhares de mulheres com deficiência que são agredidas diariamente:



Os depoimentos são assustadores, revoltantes, extremamente tristes e contundentes! Um dos que mais me impressionou foi da moça que tem a mesma deficiência física que a minha: Osteogenesis Imperfecta (falta de calcificação óssea que ocasiona diversos problemas). Esta moça foi estuprada por profissionais de saúde quando estava com o corpo todo engessado e sem poder se mexer em uma cama de hospital. Claro que me coloquei no lugar dela ao ouvir suas palavras, mas nunca saberei o que ela sentiu, pois não vivi a atrocidade que ela passou.

O meu lugar de fala é de uma mulher com deficiência que nunca sofreu esse tipo de violência. Infelizmente, eu sou uma exceção em nosso país, que ainda possui um número gigantesco de pessoas com deficiência (em sua maioria mulheres) presas e jogadas em instituições que funcionam como depósito até a morte.

Leia mais: Qual o lugar de fala das mulheres com deficiência?

Além destas mulheres que ainda estão completamente silenciadas, trancadas e invisíveis, existem muitas mulheres com deficiência, principalmente, as negras, indígenas, lésbicas, trans e em situação de pobreza, vivendo fora das instituições, mas que também não conseguem ser ouvidas, e muito menos denunciar seus agressores.  

São mulheres que vivem maus tratos e abusos todos os dias, principalmente por negligência. Quem está ao seu lado (que são em sua grande maioria familiares, maridos e namorados e cuidadores) se recusam a dar alimentação e medicamentos apropriados (seguindo as prescrições médicas), além de cuidados pessoais e de higiene (banho, pentear os cabelos) ou cuidados adequados a cada especificidade de sua deficiência, como por exemplo: sonda para urinar, respirador, fraldas, cadeira de rodas, bengalas, andadores, falta de comunicação adequada (Libras, áudio-descrição) entre outros recursos necessários para sua sobrevivência.

Além destas negligências, os maus tratos são feitos por meio de agressões físicas, tratamento grosseiro, restrições, excesso de medicamentos (para dopar as mulheres), reclusão e cárcere privado. E os maus tratos psicológicos por meio de xingamentos verbais, intimidação, isolamento social, privações emocionais; além de impedir a tomada de decisões próprias, e ameaças em relação aos familiares e amigos.

Já em relação aos abusos sexuais as mulheres com deficiência não recebem informações ou educação sexual (como o controle de natalidade), são submetidas ao sexo indesejado, estupro, agressões, esterilização forçada. Elas também são exploradas financeiramente, quando são impedidas de dispor e decidir sobre seus recursos.  

Estas agressões, às mulheres sem deficiência infelizmente também são submetidas diariamente. Mas agora, imaginem como é terrível quando a mulher com deficiência não consegue se defender? Vocês já pensaram em como fazem aquelas que não conseguem falar porque perderam a voz, usam respiradores ou têm problemas psíquicos que as paralisam no momento da agressão? Ou as que não enxergam quando o agressor pega um objeto, uma arma, ou se aproximam para bater, espancar, arremessar coisas, dar um tiro, uma facada…

E como se defendem as mulheres com deficiência intelectual (com Síndrome de Down, espectro autista, entre outras) ou mental (problemas psíquicos diversos)? Em sua grande maioria, elas não têm recursos cognitivos e psicológicos para entender quando sofrem uma agressão, principalmente sexual.

E quando as mulheres com deficiência intelectual e mental conseguem entender que foram vítimas de violência, em muitos casos suas famílias, amigos e a comunidade (igreja, escola, trabalho) não acreditam no que elas falam, e ainda as culpam dizendo (preconceituosamente) que o marido “faz o grande favor de cuidar delas”.

Por isso, elas são as que menos conseguem fazer denúncias, pois quando saem às ruas são totalmente maltratadas, ignoradas e agredidas novamente pela polícia e por qualquer pessoa. E quando chegam aos órgãos públicos (polícia, delegacias, conselhos) não são ouvidas, e quando são ouvidas, não acreditam no que falam por acharem que estão mentindo devido à sua condição de deficiência. 

Além do que eu escrevi aqui, as violências em relação à pessoa com deficiência (em especial, as mulheres) também pode ser:

Violência institucional e estrutural do Estado quando não promove os direitos assegurados na Constituição e nas leis nacionais (Lei Brasileira de Inclusão) e internacionais (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência). A violência ocorre quando o Estado insiste ou persiste em manter inexistentes, ou até mesmo ineficientes, os órgãos de controle social (os Conselhos de Direitos da Pessoa com Deficiência, do Idoso, e da Criança e do Adolescente – o que impossibilita avaliar, acompanhar e fiscalizar juridicamente a política local voltada para as pessoas com deficiência). Ou quando o Estado não institui políticas públicas com condições orçamentárias de execução e em condições adequadas de atendimento. Afinal, projetos sem recursos financeiros para execução não saem do papel!

Violência gerada pela falta de informação e falta de informação com acessibilidade (disponibilizada em Braille, ou com áudio-descrição para pessoas com cegueira), em Libras (Língua Brasileira de Sinais para pessoas com surdez), em método Tadoma (para pessoas com surdocegueira), entre outras formas de comunicação sobre as leis que asseguram os direitos das pessoas com deficiência;

Violência gerada pela omissão de profissionais de atendimento assistencial e de saúde que não notificam ou denunciam casos de negligência e maus tratos das pessoas com deficiência, principalmente quando elas estão internadas em casas de repouso, instituições assistenciais exclusivas, abrigos, hospitais, postos de saúde, ou outros locais.

Violência por omissão aos atendimentos médicos garantidos em leis, como a Lei n°11.664, de 2008, garante a todas as mulheres o direito à assistência integral à saúde, incluindo o acesso aos exames ginecológicos do colo uterino e a mamografia. No entanto, a maioria dos serviços de saúde não conta com recursos humanos capacitados para lidar com as especificidades das mulheres com deficiência, nem com estrutura física e equipamentos adequados que garantam acesso aos exames de saúde.

Leia mais: Mulheres com deficiência têm sexualidade

CASOS DE VIOLÊNCIA SÃO RECORRENTES

Aconteceu de novo! Mulher idosa e suas duas filhas com deficiência, uma com deficiência mental e outra física, foram mantidas presas em sua própria casa por mais de um ano. O agressor é filho da senhora e irmão das duas mulheres com deficiência, e as mantinha sem comida, em meio a muita sujeira.

Também é provável que este agressor tenha praticado violência sexual nas mulheres com deficiência, mas como não foram mencionados pelos investigadores do caso, eu não posso afirmar.

Afinal, abusos sexuais e silenciamento infelizmente costumam ser violências constantes que mulheres com deficiência que vivem trancadas também sofrem. Digo isso, pois já ouvi vários depoimentos de mulheres com deficiência que denunciaram crimes de estupro aos Conselhos Municipais e Estaduais das Pessoas com Deficiências. 

A denúncia foi feita na cidade de Boa Viagem no Ceará e foi noticiado à imprensa dia 20 de janeiro deste ano no portal do governo.

CONDENAÇÕES E INDENIZAÇÕES SÃO PEQUENAS E DEMORAM ANOS

Segundo o portal de notícias do A Cidade ON, de Araraquara, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou somente em setembro de 2020 uma instituição de ensino de Araraquara por danos morais cometidos contra uma mulher com deficiência mental e visual, que foi amarrada em um equipamento chamado “cadeira de postura”.

No dia 20 de dezembro de 2017, a mãe desta mulher foi informada pela escola que a filha tinha sido amarrada. Por conta disso, ela sofreu lesões nos braços, abdômen, costas e pernas e deixou de ir para a escola, porque ficou abalada psicologicamente.

A família da mulher com deficiência registrou boletim de ocorrência e procurou a defensoria pública, que ingressou com ação indenizatória. O pedido foi indeferido em primeira instância e agora o tribunal de justiça deu parecer favorável a denúncia, condenando a instituição de ensino de Araraquara por danos morais cometidos contra a mulher com deficiência.

Além deste caso, segundo o portal de notícias ZGH Geral, um homem (sem identificação na reportagem) foi condenado em agosto de 2020 a pagar somente R$ 5 mil de indenização por danos morais à ex-mulher, que é mulher com deficiência e foi vítima de constante violência ao longo de todo o casamento. Em razão dos maus-tratos, ela sofreu lesões e enfrentou quadros de depressão e síndrome do pânico.

COMO QUEBRAR O CICLO DE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COM DEFICIÊNCIA?

É preciso fazer um pacto efetivo de combate a violência contra mulheres com deficiência no Brasil! E este pacto precisa ser entre os governos (municipais, estaduais, e federais), as instituições como: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministérios Públicos; as organizações não-governamentais (que atendem às pessoas com deficiência); a grande mídia de massa (TVs, rádios, jornais); e as redes sociais (todas da internet);  

Dar visibilidade aos casos de violência contra as mulheres com deficiência é um dos pontos mais importantes e necessários para envolver a sociedade na luta contra as agressões. Afinal, cada vez que os casos aparecem na mídia, aumenta o alerta aos governos, às instituições e aos movimentos sociais para a necessidade de ações eficientes no combate às violências! 

Foi exatamente isso que eu fiz dia 30 de novembro de 2020, ao falar ao vivo sobre a terrível situação de violência que as mulheres com deficiência são submetidas. Foi durante a audiência pública “Violência contra vulneráveis”, realizada pela Secretaria da Mulher e pela Primeira Secretaria da Câmara dos Deputados durante a Campanha Mundial 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher. O convite para participar deste importante encontro surgiu graças ao grande espaço que AzMina me deu para escrever aqui. A gravação deste encontro pode ser assistida neste portal com tradução em Libras. E aqui em formato de reportagem.

Outro ponto fundamental para unir forças no combate à violência contra as mulheres com deficiência é a necessidade urgente de participação ativa e eficiente nos movimentos feministas! As mulheres com deficiência têm necessidades específicas e formam coletivos e movimentos sociais próprios, como o Coletivo Helen Keller, mas não podem ficar separadas das pautas dos demais movimentos feministas, como das mulheres negras e outros. E já abordei sobre isso antes.

Leia mais: Quais mulheres cabem no seu feminismo?

E para que esta união aconteça, as mídias que abordam conteúdos feministas precisam incluir as questões das mulheres com deficiência de forma transversal, como por exemplo, quando se fala de racismo não esquecer que mulheres negras também podem ter deficiências! 

Eu tenho feito a minha parte para conscientizar o maior número de mulheres sobre a necessidade de abordar as questões das mulheres com deficiência dentro de todos os feminismos. Dia 12 de fevereiro de 2021, eu participei de uma reunião fechada (que deveria ter sido aberta ao maior número de pessoas) justamente para ouvir as experiências de capacitismo das mulheres com deficiência no mundo acadêmico. 

O encontro com três ativistas jovens com deficiência (Letícia Guilherme, Flávia Diniz e Maria Paula Vieira) foi muito inspirador e forte para mim. Parabenizo o Coletivo Leolinda Daltro por ter incluído as mulheres com deficiência dentro das suas pautas, mas senti falta de uma intérprete de Libras durante a reunião. Em uma próxima coluna vou contar como foi esta minha experiência e entrevistar uma das mulheres que participaram. Aguardem…   

Alerto que a participação das mulheres com deficiência só será efetiva se todos os veículos de comunicação feministas respeitarem as leis de acessibilidade digital. Afinal, como as mulheres com deficiência auditiva e visual podem participar das discussões sobre violência dentro dos portais feministas, se elas não conseguem acessar os conteúdos? 

portal Acesso para Todos alerta que existem leis sobre acessibilidade digital. Desde 2004, um Decreto Federal (nº 5.296) torna obrigatório que todos os portais e sites dos órgãos da administração pública atendam aos padrões de acessibilidade digital. Depois disso, vários decretos, portarias e até uma lei – a Lei de Acesso à Informação Nº 12.527, de novembro de 2011 – trataram do tema, abrangendo todos os sites e não apenas os governamentais. No dia 06 de julho de 2015 foi sancionada a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146) que torna obrigatória a acessibilidade nos sites da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no país ou por órgãos de governo. Mas, mesmo existindo a legislação, isso não foi suficiente para que de fato a situação tenha sido resolvida até hoje.

PARA LER MAIS SOBRE ESSES ASSUNTOS:

domingo, 13 de dezembro de 2020

Poema "Viva o corpo diverso!" lido no Café Polifônico do Museu Vozes Diversas!

Agradeço ao importante momento de conversas com artistas talentosos e apaixonados por uma sociedade verdadeiramente inclusiva que respeita o profissionalismo e a potencialidade da arte e da cultura produzida por pessoas com deficiência!

E agradeço ainda mais por ter tido a grande oportunidade de ler o meu poema "Viva o corpo diverso!" http://fantasiascaleidoscopicas.blogspot.com/2020/09/viva-o-corpo-diverso.html durante o café polifônico.

Parabéns a toda a equipe dedicada e carinhosa do #museuvozesdiversas dia 12/12/20 onde o tema foi Curadorias Plurais e nosso encontro faz parte da programação da #saopaulotechweek



#pratodosverem Leandra é uma mulher branca, de cabelos castanhos na altura do ombro. Seus olhos brilham e são completados por um sorriso. Ela veste uma camisa de manga longa preta, onde em ambos os punhos destacam-se duas pulseiras brilhantes, por cima da camisa veste outra de paetê rosa que é completada por uma boá na cor roxa, veste também calça preta. Com a mão esquerda segura um microfone e também está sentada em uma cadeira de rodas.


A leitura do meu poema "Viva o corpo diverso!" também está no #rabiscos https://www.instagram.com/tv/CFuv0kAH0-4/?igshid=fqjua9wbmqrh


sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Viva o corpo diverso!


Descrição da imagem: foto colorida de Carol Vidal. Leandra está sorrindo radiante sentada em sua cadeira de rodas. Ela segura o micro fone nas mãos, está com blusa e calça na cor preta por baixo. E por cima ela usa uma blusa na cor rosa brilhante e uma estola na cor prateada bem brilhante. Tem os cabelos e olhos castanhos claros e usa maquiagem e anéis e pulseiras brilhantes. Ao fundo está o cenário do encontro Boteco da Diversidade realizado no SESC Pompéia em 2017, onde aparece um adereço de teatro na cor prata bem brilhante com detalhes rosa. A foto está bem bonita e com uma luz linda.   


Texto de Leandra Migotto Certeza*


Sempre fui olhada, ‘esquartejada’, detalhada…

Sempre fui cochichada, fofocada, julgada…

Poucos se aproximavam para me conhecer.

Sempre fui tolhida. Sempre fui quebrada.

Sempre senti dor.


Sempre me senti presa a um corpo infantilizado.

A um meio corpo.

A uma meia ‘criança-menina-mulher’.

A algo indefinido…


Meu corpo sempre foi ‘fraco’, intocável.

Meus desejos sempre estiveram no mais profundo poço do ‘inatingível’.

Pecado tocar. Errado querer. Feio.


Eu nunca pude dizer há que vim.

O que sou.

O que desejo.

O que espero.

O que luto.

O que preciso mostrar.


Hoje quebro. Mas não o corpo.

O que ele realmente é: essa massa una entre alma e carne.

Entre desejo e pudor.

Entre vida e morte.

Entre explosão e dor.

Entre prazer e abrigo.

Entre eu e muitas pessoas que moram em minha alma.


O corpo de uma mulher é múltiplo.

É preciso mostrar ao mundo cada pedacinho que pulsa em corpos diferentes.

São bocas em cabeças tortas, pernas grossas e curtas, bumbum arrebitado, coxas arredondadas e cheias de ruguinhas ‘infantis’, púbis ardendo de tesão, seios pequenos em um tronco pequeno demais.

Não há cintura, não há quadril definido.

Não há pernas finas e compridas.

Não há balanço nas cadeiras.

Não há andar sensual.

Não há mini saia que leva ao ‘mistério escuro’.

Não há uma mulher padronizada, robotizada, perfeita!

Não há o esperado.

Há outra possibilidade de ser mulher inteira com todos os sentimentos e sentidos que pulsam do corpo de alguém que sempre foi quem é, mas tinha receio de se assumir.

Amar e ser amada trouxe força a minha alma para conseguir se libertar da sociedade que sempre me tolheu.

Hoje me sinto bem do jeito que sou. 
Sou diferente sim! Chamo a atenção. Mas quem não é? Quem não chama?



Eu não posso engravidar, mas tenho o direito de ser mãe tendo uma deficiência física!

Eu não posso dançar flamenco e tango, mas tenho o direito de me arrepiar quando vejo os corpos se unirem com a alma, a cada passo dos bailarinos.

Eu não posso fazer amor com tanta volúpia, e em posições que sempre sonhei, mas posso ter orgasmos estupendos!

Eu não posso sentir meu corpo mudar, ao abrigar um novo ser em meu ventre, mas posso amar – incondicionalmente – as crianças que habitam o meu coração.

Eu não posso amamentar um bebê quentinho em meus braços, mas tenho muita seiva escorrendo, pelos fios da minha alma, para alimentar espíritos sedentos.


TODAS as pessoas com deficiência podem ser felizes do jeito que são!

Têm total direito de serem amadas, desejadas, queridas, seduzidas, e principalmente, de se apaixonarem pelos seus corpos.

Têm o total direito de se sentirem confortáveis dentro deles, e exalar felicidade pelos seus poros, como eu estou fazendo agora! 


Este poema está no Podcat Rabiscos:



Participação de Leandra no Café Polifônico do Vozes Diversas!


*Leandra Migotto Certeza é mulher com deficiência física, feminista, escritora, poeta, jornalista e consultora em Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência desde 1998. 
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segunda-feira, 22 de maio de 2017

Leandra Migotto Certeza no Boteco da Diversidade em Sampa






Boteco da Diversidade é um projeto contínuo, e que propõe ocupar a Comedoria do Sesc Pompeia. Trata-se de uma iniciativa que se dispõe a ampliar a visibilidade política e artística de personalidades, ações e assuntos vinculados à diversidade cultural e à defesa dos direitos humanos. Cada encontro é construído de forma diversa, com individualidades, artistas, e formatos também diversos, mantendo-se o ineditismo a cada edição.



Em junho, a arte encontra o diálogo político sobre as muitas formas de se reconhecer a corporalidade e as sexualidades das pessoas com deficiência no Brasil. Com Estela Lapponi, Edu O., Billy Saga, Leandra Migotto, Leandrinha Du Art, Tuca Munhoz, Gata de Rodas.




Com 22 anos e entregue às causas de igualdade, Leandra é mulher, transexual, fotógrafa, produtora, presidenta da 
Associação das Pessoas Portadoras de Deficiência de Passos, no Sul de MG - a Reintegrar. É ativista, midialivrista, cadeirante e uma das referências na luta LGBTs e das Pessoas com Necessidades Especiais.
http://www.cantinhodoscadeirantes.com.br/2015/12/conheca-leandrinha.html




Blogueira (Gata de Rodas), feminista, militante pela diversidade sexual e pelos direitos das pessoas com deficiência. 



Jornalista, escritora e ativista dos direitos das Pessoas com Deficiência. Coordena o projeto Fantasias Caleidoscópicas sobre sexualidade da pessoa com deficiência. Foi premiada pelo projeto de pesquisa Fantasias Caleidoscópicas pela Associação Internacional para o Estudo da Sexualidade, Cultura e Sociedade em Lima.  






Ativista pelos direitos das pessoas com deficiência. Ex secretário adjunto da Secretária da Pessoa com Deficiência . Assessor do Grupo de Trabalho Acessibilidade São Paulo Transportes S/A e Coordenador do Coletivo We Fuck Brasil . Locutor e produtor do programa de rádio Minuto da Inclusão.Também interpreta a personagem Tucalino, o Clowndeirante.




Professor da Escola de Dança da UFBA , onde também concluiu o mestrado, em 2014. É dançarino, coreógrafo e diretor do Grupo X de Improvisação em Dança. Criador de espetáculos premiados como "Judite quer chorar, mas não consegue!""Ah, se eu fosse Marilyn!" e "O Corpo Perturbador". Possui experiência internacional junto à Candoco Dance Company (Inglaterra), Cia. Artmacadam e Cie Kastor Agile.




Performer paulistana que tem como foco de pesquisa o discurso cênico do corpo com deficiência, o relacional com o público e o trânsito entre as linguagens cênicas e visuais. Criou o termo Corpo Intruso (2009) e sua manifestação Zuleika BritVimeo Estela Lapponi 



Rapper cadeirante, publicitário, artista plástico, Presidente da ONG Movimento SuperAção e consultor da ONG Mais Diferenças. Lançou recentemente o seu segundo disco intitulado “As ruas estão olhando”.







quarta-feira, 17 de maio de 2017

Do Teto Escuro do Quarto 19 pode surgir uma estrela ou não!


foto le sex 1 Foto: Vera Albuquerque
Por Leandra Migotto Certeza*
Idolatrar, adorar, amar ‘incondicionalmente’. Desde a Grécia Antiga, Rhea, a Grande Mãe dos Deuses sempre foi venerada para simbolizar a entrada da primavera, estação da ‘fartura’, portanto, época obrigatória para dar frutos. Não por coincidência, a ‘função’ de todas as mães. Depois, na Era Cristã, a imagem da mulher, foi ‘pregada’ (por Maria, a mãe de Jesus) na mente dos seres humanos como a ‘única possível’.
O que dizer então, da criação de uma data para celebrar esta ‘característica inata’, ‘dom Divino’, ‘desejo maior’ que sempre chega quando “bate o relógio biológico” em todo ser feminino (referido somente a ideia Cristã de Eva)?
Nos Estados Unidos, desde 1858, para diminuir a mortalidade de crianças em famílias de trabalhadores da Guerra de Secessão, a ativista Ann Maria Reeves Jarvis, conseguiu uma data para que estas mães se ‘tornarem amigas. Porém, eu acredito que ela nunca poderia imaginar, que sua filha, fizesse do dia 12 de maio de 1907, feriado nacional comemorado até hoje em várias Nações. E depois lutasse para a abolição da data devido à única função de comercialização.  
Pena que já era tarde demais… Pois, nada melhor do que uma data específica para reforçar a ideia que toda mulher ‘deve’ se tornar mãe. Esta imposição de se tornar e não ser (que fique bem claro), continua tão forte em pleno século 21. E mesmo aquelas que conseguiram ‘lutar bravamente’ para terem seus filhos (somente um em sua maioria), depois dos 40 ou até 50 anos, sentem-se vigiadas todos os dias, não apenas pela família e amigos, mas também pela religião e, principalmente, pelo capitalismo.
Afinal, o mercado tem o Dia das Mães, como segunda data melhor de vendas, perdendo somente para o Natal (justo o dia do nascimento do ‘maior filho’ do mundo). Portanto, mulheres que abandonassem seus rebentos, os deixassem aos cuidados de outros familiares, ou simplesmente, escolhessem não viver a maternidade seriam para sempre taxadas de desnaturadas, desumanas e até malucas.
Como foi a poeta e escritora norte americana, Sylvia Plath, que mesmo tendo uma filha em 1960, e um filho, em 1962, nunca cumpriu os ‘papéis sociais’ ‘corretamente’, segundo críticos da época. Ao escrever o poema “Criança”, aqui citado, via nas imagens de seus filhos, junto com “O olho claro é a coisa mais bonita em você”, a forte expressão “esse teto Escuro e sem estrela”.
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Criança
Poema de Sylvia Plath
Tradução de Rodrigo G. Lopes e Maurício A. Mendonça
“O olho claro é a coisa mais bonita em você.
Quem dera enchê-lo de patos e cores,  
Zôo do novo,
Nomes em que você pensa –  
Campânula-de-abril, Cachimbo-de-índio,  
Pequenino
Caule sem espinhos,  
Lago em cujas margens, imagens  
Pudessem ser clássicas e imensas
Não esse tenso  
Torcer de mãos, esse teto  
Escuro e sem estrela”.

Em 1962, após a conturbada separação de um marido que a traíra, Sylvia passou o inverno europeu sozinha com os filhos, em Londres, escrevendo como nunca. Porém, quem diga, que quando se matou, além de depressiva, fosse ‘completamente insana’. Será que esta mesma mulher que também fala sobre o não poder dar à luz, neste outro poema “Mulher estéril”“Vazia, ecoo até o mínimo passo”“Casta e cega para o mundo”, teve mesmo cuidado zeloso com seus rebentos na hora de se libertar da prisão que era sua vida?
Mulher estéril
Sylvia Plath
Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo
“Vazia, ecôo até o mínimo passo,
Museu sem estátuas, grandioso, com pilares, pórticos, rotundas.
Em meu pátio uma fonte salta e mergulha em si mesma,
Casta e cega para o mundo. Lírios de mármore
Exalam sua palidez feito perfume.
Me imagino com um grande público,
Mãe de uma branca Nike e vários Apolos de olhos nus.
Em vez disso, os mortos me ferem com atenções, nada pode acontecer.
A lua pousa a mão em minha testa,
Pálida e silenciosa como uma enfermeira”.

O que se sabe é que Sylvia, naquele dia, veda completamente o quarto das crianças com toalhas molhadas e roupas, deixando leite e pão perto de suas camas, abre as janelas do quarto, ainda que em meio a uma forte nevasca. Depois, toma uma grande quantidade de narcóticos, deitando logo após a cabeça sobre uma toalha no interior do forno, com o gás ligado, morrendo passado pouco tempo.
Atitude intempestiva e completamente ‘desnaturada’, ou única opção emocional, devido a sua vida bem conturbada pela paixão por Ted Hughes. Afinal, o jovem poeta inglês – que enquanto Sylvia foi impedida de se dedicar exclusivamente ao seu trabalho, escrever – ganhou prêmios e supostamente consolidou sua fama. Porém, no fim dos anos 60 na Europa, qualquer um que gostasse de literatura sabia que Sylvia Plath era uma grande poeta e, se alguém mencionasse o nome de Ted, seria por ele ser “o marido de Sylvia Plath”.
A dúvida que fica é será que o peso da maternidade tenha ‘apagado’ para sempre seu brilho como escritora? Ou a poeta nunca tivesse interesse em falar e cuidar de crianças? Acredito que esta dúvida seja no mínimo estranho, pois em 1950, Sylvia escreveu histórias para crianças. “O livro das camas”, gestado 10 anos antes do nascimento de seus filhos, mas publicado somente após a sua morte, fala da importância de uma total liberdade de criação e pura imaginação infantil.
Nos poemas, as camas extrapola o convencional, “feitas/ para sono, ou horas de repouso”, e satisfaçam os desejos de quem nelas se deitasse: “Uma Cama pra se Pescar,/ uma Cama para Gatos,/ Uma Cama para uma trupe de Acrobatas”. Em “O terno do não-faz-mal”, ela conta sobre um terno que pudesse ser usado pelo protagonista em qualquer ocasião, para andar de bicicleta, para esquiar. Talvez, como a escritora gostaria que seus filhos tivessem sidos: repletos da mais pura e inatingível felicidade plena e infinita.  Talvez doce e ingênua idealização…
A mesma idealização (oriunda de padrões machistas da época), tanto da vida, do amor, como da maternidade, é possível que tenha tido Susan Rawlings, personagem da autora do conto No Quarto Dezenove, da escritora britânica Doris Lessing (1919-2013), Nobel de Literatura somente em 2007.
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O Quarto Dezenove
Doris Lessing
“Dentro de dez minutos tenho de telefonar ao Matthew sobre… e às três e meia tenho de sair, indo buscar as crianças mais cedo, pois o carro precisa de ser lavado. E amanhã às dez horas tenho de me lembrar de…”

Ser uma intelectual produtiva, valorizar seu trabalho, e se sentir inteira, não cabia na roupa que Susan Rawlings acabou vestindo, vivendo uma vidinha burguesa de classe média, com três filhos, cachorro, casa com jardim e empregada. Então, ligar o gás e esperar a vida se esvair, exatamente como fez, Sylvia, foi a única forma de se libertar que Susan também encontrou, mesmo depois de passar meses trancada no Quarto 19, local onde encontrava um pouco de paz, nem que fosse por algumas horas diárias.
LIBERDADE! Pois, mesmo que fosse uma fuga, se sentir sozinha entre quatro paredes, pois Susan se obrigava a voltar a viver a pele de uma mulher fiel e obediente que nunca podia sequer gritar com seus filhos, e a ‘passar por cima’ das traições do marido. Mas enquanto estava no Quarto 19 podia TUDO!
PODER, o mesmo sentimento de Susan, foi o que eu senti ao assistir ao monólogo “Quarto 19”, com a estonteante atuação de Amanda Lyra, em um pequeno palco numa noite fria e marcante de 2017.
Parecia que eu havia encomendado a peça para ela, pois algumas falas soavam como minhas na mais profunda reflexão íntima. Exatamente como a autora fez, ao falar que quando leu o texto de Doris Lessing tenha reconhecido sua avó sentada na frente da televisão, no fim do dia de trabalho doméstico, o olhar vazio, o corpo exausto. Eu saí de lá com a vontade engasgada de dizer a todas as mulheres do mundo para assistir aquela peça de teatro.  
Pois, creio que seja este sentimento de liberdade, o mais almejado por tantas mulheres hoje, que ainda se sentem sufocadas e aprisionadas em suas próprias mentes, como Maria Cecília Nachtergaele neste poema:
Maria Cecilia Maria Cecília Nachtergaele

“Alguém comigo”
Maria Cecília Nachtergaele
“Eu procuro alguém para fazer um poema comigo
Tem que ser terno e triste
É essencial que seja triste
E gestos de poeira, muita saudade e medo
os olhos de até logo com jeito de adeus
Tem que ser distraído, sorrir a toa
sempre querer chorar e nunca conseguir

GRITAR ! Outra vontade presente nas mulheres de hoje, e talvez fosse, também o mais pungente e intrínseco desejo da poeta ao dizer: “sempre querer chorar e nunca conseguir”.  
Amante do violão e escritora, Maria Cecília, provavelmente, não tenha nascido com a ‘vocação’ para ser MÃE. Dar cabo da própria vida com um tiro no ouvido, aos 22 anos em 1968, talvez tenha sido a única forma que encontrou para dizer ao mundo que estava exausta de dar de mamar e limpar coco várias vezes por dia, cuidado do filho, Matheus Nachtergaele até os 3 meses.
A obra de Maria Cecília ganhou vida ao ser publicada só em 2016, com o título “As Mariposas”. E também foram brilhantemente interpretados no monólogo “Processo de Conscerto do Desejo”, visto por mim, um dia antes da peça “Quarto 19”.
Vendo estas três histórias de mulheres que romperam com o roteiro religioso e machista de suas épocas, penso no que diferencia o suicídio masculino do feminino. Será que a mulher ao se matar trava uma queda de braço com Deus? A ela caberia só e para sempre, a responsabilidade da vida e da proteção, portanto, o seu suicídio é mais agressivo e reverte totalmente a suposta ‘lógica’?
Não sou especialista no assunto, não sou feminista militante, não tenho a experiência da maternidade (nem por meio da gravidez, nem pela adoção); mas sinto que de uma forma ou de outra, a culpa é sempre das mulheres.
Ter ou não ter um ou mais filhos, cuidar ou doar a criança, abandonar, ou simplesmente, escolher e preferir não ser mãe, são atitudes nunca LIVRES! Julgamentos, condenações, crucificações, discriminações, preconceitos e incompreensões ainda estão 100% presentes em todas as culturas e sociedades.
Até mesmo dentro da mente das mulheres que tentaram tomar suas próprias decisões, o martelinho da eterna dúvida, se realmente fizeram a coisa certa, ou se serão taxadas eternamente como ‘imperfeitas’, ‘egoístas’, ‘mesquinhas’, ‘desumanas’, ‘cruéis’, e ‘desnaturadas’, permanecem ferindo suas vidas.
E até mesmo se escolhem o caminho da denúncia de todas estas privações, podem ser usadas por movimentos sociais, veneradas e idolatradas. Como aconteceu com Doris Lessing ao ser rotulada de representante maior do feminismo da sua época. A mais este papel que se sentia ‘obrigada’ a cumprir, a escritora afirmou ao The New York Times em 1982:  
“O que as feministas pretendem de mim é algo que ainda não alcançaram, que apenas pode vir da religião. Querem que eu preste testemunho. O que elas realmente gostariam realmente de me ouvir dizer era: ‘Oh, irmãs, eu estou lado a lado convosco na vossa luta a caminho de um amanhecer dourado onde todos esses homens brutais não existirão mais. ‘Será que querem que as pessoas façam declarações simplistas acerca de homens e mulheres? De facto, querem! Com grande pena minha cheguei a esta conclusão”.
O que dizer então, de uma mulher com deficiência física? A complexidade impera! Leiam os textos que eu escrevi em diferentes fases da minha vida e reflitam. Tudo o que eu tenho a dizer é que hoje, aos 40 anos, casada, a vontade de ser mãe passou… E como é bom não ter medo de dizer isto aos quatro cantos!
Mas ao mesmo tempo, também não posso afirmar, com todas as letras, que NUNCA sentirei um prazer imenso ao cuidar, zelar e amar seres humanos pelos quais tenho vontade, de forma ímpar e inesperada – na maioria das vezes – quando sou abraçada por afilhados, amiguinhos, órfãos que visito em instituições, ou até mesmo idosos, homens ou mulheres. Pois, para mim, ser MÃE é amar incondicionalmente um ser vivo! E eu isto eu sei fazer muito bem e quero! Como quero!
Leandra 2 Foto: Vera Albuquerque

Viva o corpo!
Por Leandra Migotto Certeza*
A mulher é um universo profundo. Começo a mergulhar nela aos 30 anos, quando meus desejos se afloram. Meu corpo sempre foi fraco, intocável. Meus desejos sempre estiveram no mais profundo poço do inatingível. Pecado tocar. Errado querer. Feio. Todos apontam. Todos comentam. Todos olham. Eu nunca pude dizer há que vim. O que sou. O que desejo. O que espero. O que luto. O que preciso mostrar.
Sempre fui tolhida. Sempre fui quebrada. Sempre senti dor. Sempre me senti presa a um corpo infantilizado. A um meio corpo. A uma meia criança-menina-mulher. A algo indefinido.
A busca por uma paz interior é como o pôr do sol que agora é lilás da minha janela. A linha é muito tênue. O medo é maior do que o azul claro que agora toma conta do céu.
Hoje quebro. Mas não o corpo. O que ele realmente é. A massa una entre alma e carne. Entre desejo e pudor. Entre vida e morte. Entre explosão e dor. Entre prazer e abrigo. Entre eu e muitas pessoas que moram em minha alma.
O corpo de uma mulher é múltiplo. É preciso mostrar ao mundo cada pedacinho que pulsa em corpos diferentes. São bocas em cabeças tortas, pernas grossas e curtas, bumbum arrebitado e torto, coxas arredondadas e cheias de ruguinhas infantis, púbis ardendo de tesão, seios pequenos em um tronco pequeno demais.
Não há cintura, não há quadril definido. Não há pernas finas e compridas. Não há balanço dos quadris. Não há andar sensual. Não há mini saia que leva ao mistério escuro como o céu que agora está em minha janela.
Não há uma mulher padronizada, robotizada, perfeita! Não há o esperado. Há outra possibilidade de ser mulher inteira com todos os sentimentos e sentidos que pulsam do corpo de alguém que sempre foi quem é.
Amar e ser amada trouxe força a minha alma para conseguir se libertar do corpo da sociedade que sempre me tole. Da mãe interna que sempre me proibiu de ser eu mesma. Da mãe externa que sempre teve medo de me ver despedaçada.
  Leandra Migotto Certeza

Apagaram as luzes do meu ventre
Leandra Migotto Certeza
Hoje jogo fora
um ser que poderia ter germinado
e não foi
Sinto a dor
de algo se esvaindo pelas minhas entranhas
Quente, vermelho
Que incha o meu corpo,
mas esvazia minha alma
Não posso germinar e dar a luz
O motivo? Não sei.
E nem me explicaram…
Só apagaram as luzes do meu ventre
e calaram a minha alma
Tenho inveja das barrigas soltas por aí…
E das crianças a chorar e a sorrir.

Grávida de mim mesma
Leandra Migotto Certeza
Eu não posso fazer amor com tanta volúpia, e em posições que sempre sonhei; mas posso ter orgasmos estupendos!
Eu não posso sentir meu corpo mudar, ao abrigar um novo ser em meu ventre, mas posso amar – incondicionalmente – as crianças que habitam e irão habitar o meu coração.
Leandra 1 Foto: Vera Albuquerque

Minhas amarras
Por Leandra Migotto Certeza*
Tive um sonho que estava grávida! Sentia fortemente a cabeça do bebê no lado esquerdo da minha barriga. Era como se ela estivesse me dizendo que queria vingar! No sonho comentava com alguém e temia a reação da minha família, caso eu escolhesse continuar a gravidez extremamente arriscada, segundo alguns médicos, mas possível em vários casos iguais ao meu que eu havia visto em reportagens.
Tenho 96 cm, ossos do corpo todo 90% mais fracos do que de todas as mulheres. Minha barriga é do tamanho de uma pessoa com nanismo, mas as costelas por serem muito fracas poderiam arrebentar ou sofrer fortes dores no caso de uma gravidez até os 9 meses…. Poderia… Mas também não. Apenas o parto é muito provável que tenha complicações e necessariamente precisaria ser uma cesariana. E durante a gestação eu teria que ficar praticamente imóvel, passando a maior parte do tempo sentada e com dores na coluna. Mas talvez não tivesse tantos problemas assim…
Na verdade não tenho absoluta certeza porque nunca perguntei diretamente a um médico, e nem conversei olho no olho com uma mãe com a mesma condição física que a minha. Só sei que elas escolheram ter o seu bebê. Alguns nasceram com a mesma deficiência, sendo que existe 50% ou mais de probabilidade.
Mas outros não têm nenhuma deficiência genética, mas poderiam ou não adquirir alguma limitação devido a uma doença que só surge depois (e nada tem a haver com a deficiência genética da mãe), ou ficar com alguma sequela de um acidente de carro ou violência com arma de fogo. Então, nascer sem deficiência de uma mãe com deficiência também não seria garantia da suposta perfeição humana que todos os seres humanos acreditam que exista e lutam muito para alcançar.
No sonho eu tinha a opção de abordar mesmo que a gestação estivesse avançada, mas lembro que fiquei muito desnorteada sobre como teria ficado grávida, sendo que eu e meu marido não tínhamos mais relações sexuais com penetração, por causa de problemas com o agravamento da nossa deficiência e as fortes dores nos ossos de ambos. Mas por mais de 5 anos nossa relação sexual foi cheia de muito prazer por meio da penetração também, e o risco de engravidar sempre existiu. Tomei anti-concepcionais por um tempo, e sempre usamos preservativos. Mas o medo pairou sobre minha cabeça durante todas as vezes em que eu me deixava levar por puros momentos de intenso prazer.
No sonho queria saber primeiro o sexo do bebê, antes de tomar qualquer decisão. Suspirei e desejei que fosse uma menininha linda para eu pentear os cabelos… Um dos meus maiores sonhos como suposta mãe… O sonho demorou para passar assim como a gigantesca angústia para decidir o que eu faria com aquela cabeça de bebê empurrando a minha barriga de um lado. Apertava cada vez mais e a culpa só aumentava… Sei que foi um sonho, mas demorou muito para eu conseguir (ou querer) acordar!
E quando fiquei entre o estado de sono e a sonolência de quando despertamos no meio da noite, coloquei a mão na minha barriga para ver se tinha alguma cabecinha de bebê e, infelizmente, não encontrei. Mas lembro que suspirei aliviada, tamanha a sensação de realidade do sonho e do medo de ser mãe pela barriga. Ainda bem que não foi maior do que a vontade que ainda tenho de ser mãe do coração… Quem sabe um dia… Mas antes será preciso vencer todas as amarras e os traumas profundos criados pela minha família, e acreditar que eu posso e tenho total direito de tomar todas as decisões sobre a minha vida.
*Leandra Migotto Certeza – Jornalista por formação, consultora por profissão e escritora por paixão.
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Referências:
Conscerto do desejo:
Quarto 19:
Sylvia Plath: